Por Danieli Closs
No início de 2018 eu descobri a dança, eu, que sempre me considerei alta demais e desengonçada demais para a prática, me vi em uma escola aprendendo a movimentar meu corpo e principalmente a vê-lo de forma empática no enorme espelho da sala.
Em praticamente todas as aulas, após aprendermos algum passo ou técnica nova, deveríamos montar duplas para praticar. Nesses momentos, um de meus professores sempre dizia: “dancem como se estivessem conversando, enquanto um fala (dança), o outro ouve (observa) e tomem cuidado para não falar (dançar) demais”.
E é com essa analogia da dança com a comunicação entre pessoas que eu quero começar este texto.
Até mesmo na dança é difícil “ouvir” o outro sem pensar no que será respondido, ou no caso, sem dançar ao mesmo tempo.
A maioria das pessoas vai se identificar com a situação da imagem, mas porquê isso acontece? Isso ocorre justamente porque não estamos imersos na conversa ou debate, chegamos com o roteiro pronto em uma discussão e ainda reclamamos que a pessoa não o seguiu.
Você consegue se lembrar de alguma conversa em que prestou totalmente atenção ao que a pessoa estava falando sem ficar pensando no que iria responder ou comentar? Quando foi a última vez que você ouviu de verdade?
Ouvir de verdade é uma das premissas da Comunicação Não Violenta.
A Comunicação Não Violenta, ou CNV é um processo de pesquisa desenvolvido pelo psicólogo Marshall Rosenberg, que defende que em qualquer tipo de relação predomine a comunicação eficaz e empática.
Independente do meio que utilizamos para nos comunicar, seja em nossas relações pessoais ou entre colaboradores, líderes e liderados, estamos propensos ao pré-julgamento ou ao sentimento de inadequação estimulado por uma crítica.
Neste artigo, quero falar um pouco sobre porquê isso ocorre e como podemos aplicar técnicas de comunicação não violenta no nosso dia a dia, tanto ao falar quanto ao ouvir. Você também poderá responder um teste e descobrir se existe comunicação violenta na sua empresa e conferir práticas e dinâmicas para incentivar a CNV entre os colaboradores.
Boa leitura!
O que é Comunicação Não Violenta (CNV)
A Comunicação Não Violenta é uma forma de comunicação desenvolvida pelo psicólogo Marshall B. Rosenberg que se baseia em estarmos conscientes das nossas necessidades e dos outros, com a finalidade de falar sem machucar e ouvir sem se ofender.
Ou nas suas próprias palavras tiradas do livro “Comunicação Não Violenta”:
A Comunicação Não Violenta se baseia em habilidades de linguagem e comunicação que fortalecem a capacidade de continuarmos humanos, mesmo em condições adversas. […] Nossas palavras, em vez de serem reações repetitivas e automáticas, tornam-se respostas conscientes, firmemente baseadas na consciência do que estamos percebendo, sentindo e desejando. – Marshall B. Rosenberg
A CNV acaba sendo uma prática de reflexão sobre nossas necessidades e do outro, identificamos o que está por trás de cada mensagem e forma de falar para ver a situação com mais empatia e assim evitar conflitos.
A Comunicação Não Violenta também nos faz prestar atenção no feedback que recebemos de nossos sentimentos quando alguém nos repassa determinada mensagem, seja ela por fala, e-mail ou telefonema.
Quando identificamos o sentimento que foi estimulado por aquela mensagem, podemos nos responsabilizar por ele e então escolher a honestidade e falar o que realmente está acontecendo e o que se espera do outro.
A Comunicação Não Violenta também se refere ao fato de praticar a empatia quando recebemos alguma crítica equivocada. Por exemplo, quando alguém diz que você é desorganizado, qual é a sua reação? Retrucar, aceitar ou ignorar? Nenhuma dessas alternativas é uma reação de CNV.
Quando você acusa alguém, significa que há uma necessidade sua que não foi atendida e você se sente frustrado com isso. Da mesma forma quando alguém te acusa de algo, significa que a necessidade da pessoa não foi atendida e não necessariamente que você fez algo errado.
A prática da CNV está relacionada tanto à quem emite a mensagem quanto a quem a recebe. Se quem a ouve pode buscar refletir sobre a necessidade que está por trás daquela crítica, quem a emite também deve fazer uma auto reflexão e identificar sua própria necessidade para então se expressar de forma honesta.
Isso quer dizer que, muito além de uma forma de comunicar, a CNV é uma forma de pensar, observar os sentimentos e realizar uma conexão com os gatilhos que nos fazem agir de determinada forma.
A Importância da Comunicação Não Violenta
Viemos de uma cultura empresarial onde somos pagos para trabalhar e deixar os sentimentos da porta para fora da empresa. Ouvimos discursos de que para crescer na carreira é necessário foco total no que se faz, ser produtivo, competitivo, multitarefas, vidrado em metas, trabalhar o tempo todo, inclusive fora do horário de expediente e, consequentemente, dormir pouco. Imaginando assim que alcançaremos o sucesso e a felicidade.
Mas nesse contexto não sobra tempo para cuidar de si, ou de seus relacionamentos, tanto dentro quanto fora do trabalho.
O cenário de muitas empresas acaba sendo esse: o sentimento de competitividade é incentivado por toda essa cultura e discurso, que prejudica os relacionamentos, tanto entre colegas quanto entre líderes e suas equipes. Quem nunca viu ou participou de uma fofoca no corredor criticando alguma atitude ou fala do chefe?
Dentro desse cenário também é muito comum que sempre que algo de errado acontece, ou os objetivos não são alcançados, se busque um culpado. Cria-se assim um padrão que se assemelha a um círculo vicioso, onde essa necessidade de culpar gera o medo de errar.
Assim, passamos a gastar muita energia preocupados em sermos multitarefas, competitivos e sem a permissão de errar ou assumir erros, pois aprendemos que errar é vergonhoso e nos deixa para trás na corrida pelo sucesso.
Esse discurso de sobrecarga pode ter funcionado por um tempo. Porém, não é incomum encontrar relatos de workaholics que chegam a um nível de estresse elevadíssimo e precisam parar de trabalhar bruscamente e dedicar 100% de sua atenção ao seu próprio bem-estar para não morrer.
Esse fato nos leva também a estudos que comprovam que os relacionamentos são responsáveis pelo nosso bem-estar e que pessoas com relacionamentos saudáveis vivem mais e melhor.Outra questão muito importante é o clima organizacional que está totalmente vinculado ao relacionamento entre as pessoas, já que o bem-estar e a satisfação do colaborador dependem diretamente de seus relacionamentos.
O importante, portanto, é a busca pelo equilíbrio entre a vida profissional e a vida particular, com a construção de relacionamentos saudáveis em ambas esferas.
Entretanto, a falta de reconhecimento, necessidades ignoradas, a falta de comunicação aberta com os líderes e o pouco diálogo entre colegas, ainda são problemas muito comuns nas estruturas das organizações.
Mas por quê?
Marshall destaca em seu workshop de Introdução à Comunicação Não Violenta que estamos inseridos em uma cultura que pune quando se erra e recompensa quando se acerta. E essa forma de viver nos impede de sentir empatia pelos outros e por nós mesmos, pois a culpa nos faz pensar que não merecemos a recompensa.
Todos esses pontos citados podem ser melhorados com a aplicação da Comunicação Não Violenta no dia a dia das empresas. Ao perceber que podemos tirar a máscara e mostrar nossa vulnerabilidade, nos identificamos com nossos colegas e líderes, aceitamos que todos somos humanos e cometemos erros, mas que não é necessário culpar, criticar ou se ofender.
Mas como aplicar a CNV no dia a dia? Como transformar o nosso jeito de falar e ouvir as coisas? Será que existe uma fórmula?
Está gostando do assunto? Confira também o episódio #11 do Progicast que fala sobre o tema.
Como Identificar a Comunicação Violenta
Antes de conhecermos as práticas para aplicar a Comunicação Não Violenta, precisamos identificar o que está errado com a forma que nos comunicamos normalmente. Quais são os hábitos que precisamos perder, sentimentos que precisamos identificar e gatilhos que precisamos perceber.
Mas como identificar se na sua organização ocorre a comunicação violenta? É difícil que ela não exista, visto que está presente em praticamente todos os relacionamentos, sejam eles próximos ou não.
Esse tipo de comunicação é que promove o bullying, o assédio moral, o preconceito e causa uma crise de conexão entre pessoas e organização, afetando o desempenho dos empregados.
E para ajudá-lo a identificar os cenários e situações que ela ocorre, elaborei perguntas que resultam na situação mais próxima do que pode estar acontecendo na organização que você trabalha.
Responda ao teste e identifique se há comunicação violenta na sua empresa:
Analise as situações e escolha a alternativa que mais se enquadra com o que ocorre na organização que você trabalha.
(Se alguma das situações não aconteceu na sua empresa, tente relacioná-la com outra semelhante.)
Correto!
Errado!
Correto!
Errado!
Correto!
Errado!
Correto!
Errado!
Correto!
Errado!
Correto!
Errado!
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Como Aplicar a Comunicação Não Violenta
Observar sem julgar é a mais elevada forma de inteligência humana. – Jidu Krishnamurti
A principal ação para começar a aplicar a Comunicação Não Violenta é a mudança de foco. O processo se baseia em tirar o foco das atitudes e falas do outro e colocar para as necessidades.
Por exemplo:
“Ao invés de tentar entender o que há de errado com o outro irei me questionar sobre meus sentimentos e entender qual a necessidade que está por trás deles.”
“As atitudes dos outros não são responsáveis pelo que sinto, mas sim, despertam sentimentos em mim, sejam agradáveis quando minhas necessidades são atendidas, ou desagradáveis quando não são.”
Mudar totalmente essa percepção e começar a ver tudo que é dito considerando as necessidades que estão por trás das mensagens não é fácil, mas é possível, aos poucos, diminuir conflitos e desenvolver maior empatia com os colegas de trabalho.
Com uma Comunicação Não Violenta como base dos relacionamentos entre líderes e liderados, colegas do mesmo ou de outro departamento, aumentamos o engajamento, a cooperação, a motivação e a produtividade, melhorando assim, o clima organizacional.
Marshall se refere em seu livro à quatro componentes que se tornam base de qualquer comunicação, seja na hora de se expressar ou ao ouvir. Ele afirma e comprova com exemplos e situações reais que esses componentes transformam a comunicação existente em Comunicação Não Violenta.
Vamos conhecê-los e entendê-los:
1- Observação
O primeiro passo é a observação. Nesta etapa paramos de avaliar e julgar as ações do outro e mudamos o foco. Observamos o que realmente o outro está fazendo sem considerar nossa visão ou opinião sobre o acontecimento ou fala.
Analise o que você sente e espera do outro e separe da situação para vê-la com clareza. Imagine a seguinte situação:
Você pediu que um membro do seu time fizesse um release sobre o evento interno e quando o lê faz o seguinte comentário:
“Este release está horrível!”
Esta fala se refere a sua avaliação e julgamento sobre a atividade. O exercício da observação, nesta situação, faz você visualizar a situação separada da sua percepção. Ou seja, para você o release está horrível, mas essa fala é apenas um julgamento para a outra pessoa e não uma indicação do que realmente você quer.
Então ao invés de julgar o release através da sua percepção, identifique porquê você não gostou dele e substitua o julgamento. Observe o que não está de acordo com o que você pediu, que pode ser por exemplo:
“Faltam informações sobre o evento e há erros de português e concordância.”
Após visualizar a situação vamos para o próximo passo.
2- Sentimento
Na segunda etapa precisamos identificar como estamos nos sentindo com aquela situação, o que foi que ela nos fez sentir, qual foi o sentimento desencadeado.
Aqui precisamos prestar muita atenção para não continuar julgando ou então colocar a culpa do sentimento no outro. É necessário honestidade para assumir a responsabilidade pelo sentimento.
Portanto, se esta situação fosse real, eu poderia presumir que seu sentimento foi de frustração com o trabalho da sua equipe, pois esperava algo diferente do recebido.
Com o sentimento identificado, vamos para o próximo passo.
3- Necessidades
Na terceira etapa vamos identificar quais necessidades não foram atendidas e que estão ligadas ao sentimento que identificamos na etapa anterior.
Para ter consciência dela, devemos nos perguntar porquê nos sentimos daquela maneira. Ao entender qual é a nossa necessidade, será mais fácil realizar a etapa seguinte praticando a Comunicação Não Violenta.
Na situação do release, a sua necessidade poderia ser:
“Preciso que o texto esteja completo e com a menor quantidade de erros possível para enviar o quanto antes aos colaboradores.”
4- Pedido
Após observar a situação sem julgamentos e identificar nossos sentimentos e necessidades chegamos à quarta etapa: o pedido.
Ao unir todos os pontos, chegamos ao seguinte formato de pedido em relação ao release:
“Fernanda, quando recebo seu release com poucas informações sobre o evento e erros de português e concordância, me sinto frustrada, pois preciso que ele esteja o mais completo possível e sem erros para enviar o quanto antes aos colaboradores. Você poderia revisar mais vezes e corrigí-lo antes de me enviar?”
Agora compare esta frase com o primeiro comentário antes de aplicar as práticas de CNV. Desta forma não fica muito mais fácil que seu time entenda o que precisa ser feito e acerte nas próximas vezes?
Invertendo os Papéis
Mas se você não for a líder e for a colaboradora responsável pelo release, poderá utilizar destas etapas para ouvir a crítica. Te convido a fazer este exercício e se colocar no lugar da Fernanda.
Você enviou o release à sua líder e ouviu o comentário: “Este release está horrível!”
Ao invés de se ofender e se culpar pelo trabalho que realizou, você vai utilizar as mesmas etapas citadas para se comunicar.
Recapitulando, você primeiro vai observar e tentar identificar porque ela fez este comentário:
“Há coisas erradas na construção do meu release.”
Segundo, o que a pessoa está sentindo? Você tentará presumir qual é o sentimento, sem julgar, pois vamos confirmar com a pessoa se é realmente isso. Da mesma forma tentará identificar a necessidade da sua líder por trás do sentimento, para então se comunicar.
Um exemplo de resposta para a crítica utilizando as etapas da CNV seria:
“Entendo que há erros em meu release e isso a deixou frustrada, pois de acordo com nosso planejamento ele precisa ser enviado com urgência. Então você poderia me repassar mais detalhes de como quer que eu faça para ficar como você espera?”
Conforme vamos aplicando essas rotas de pensamento em nosso dia a dia, vamos diminuir os conflitos e promover uma conexão com as pessoas, melhorando nossos relacionamentos e consequentemente os outros fatores já citados no início deste texto.
Portanto, a CNV consiste em expressar claramente essas quatro etapas em nossa comunicação, seja falando ou ouvindo. Agora, vamos ver algumas formas de aplicá-la em nosso dia a dia na organização.
Práticas para Incentivar a Comunicação Não Violenta
Através de dinâmicas, desafios, exercícios e exemplos de diálogos é possível compreender ainda mais como funciona a Comunicação Não Violenta e, assim, transformá-la em um hábito e melhorar a cooperação e os relacionamentos nas empresas.
Preparei algumas ideias em um e-book para te ajudar a criar conexão entre os colaboradores e melhorar a comunicação na organização que você trabalha. Para acessar, basta clicar na imagem abaixo e fazer o download gratuito.
Conclusão
Cada um é responsável pelo que sente, mas os outros servem como gatilhos para despertar tais sentimentos. Portanto, se alguém falou algo que me fez sentir constrangida é porque as palavras e o contexto foram um gatilho para um sentimento e necessidade que há dentro de mim.
Lembre-se sempre que a Comunicação Não Violenta não é uma forma de persuasão, não a usaremos para conseguir o que queremos e sim para melhorar os nossos relacionamentos e atender as necessidades de todos.
Essa prática tem como premissa que nossos anseios e necessidades não sejam concedidos às custas de outra pessoa, ou seja, elas não foram criadas para manipular os outros para atenderem às nossas expectativas.
A Comunicação Não Violenta deveria ser a comunicação que conhecemos, pois apenas com ela é possível se conectar com as outras pessoas. E se é possível sonhar, no dia que isso acontecer teremos menos bullying, menos assédio e menos guerras.
Quando descobri a Comunicação Não Violenta, coloquei como meta tornar as suas práticas um hábito na minha vida. Se você se interessou tanto pelo assunto quanto eu e gostaria de aprender ainda mais, sugiro que acesse os materiais que utilizei para elaborar este artigo.
Vamos aprender a assumir a responsabilidade pelo que falamos, fazemos e sentimos.
Materiais consultados para a construção do artigo:
Livro: Comunicação Não Violenta – Marshall B. Rosenberg
Workshop: Introdução à Comunicação Não Violenta – Marhsall B. Rosenberg
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