Por Cleide Cavalcante

No dinâmico ecossistema corporativo, a comunicação vai muito além das palavras impressas ou ditas. Ela se manifesta em cada nuance, em cada escolha de vocabulário, no tom de um e-mail, e até no silêncio de uma liderança.

Mas quantas vezes nos pegamos com a sensação de que a verdadeira mensagem “ficou nas entrelinhas”, gerando ruído onde deveria haver clareza?Em tempos de aceleração digital e coexistência de múltiplas gerações, decifrar os códigos ocultos das mensagens corporativas tornou-se um diferencial competitivo importante para a retenção e o engajamento.

A comunicação eficaz, em sua essência, não se limita ao que é dito, mas ao que é compreendido. Neste cenário complexo, trago à luz um campo de estudo e de aplicação prática estratégica: a semiótica.

Uma tema que eu gosto muito e que me ocorreu para esta news após uma conversa na empresa, durante uma revisão de texto, quando me deparei com o uso do “não deixe”! Assim, venho falar da semiótica da linguagem – não como uma disciplina acadêmica, mas como um norte indispensável para construir uma comunicação interna mais potente, coesa e humanizada.

O que é Semiótica, afinal?

Em sua essência, a semiótica é a ciência dedicada ao estudo dos signos e de seus processos de significação, a chamada semiose. Em termos mais simples, um signo é tudo aquilo que, para alguém, representa alguma outra coisa, evocando um sentido.

Este campo de conhecimento foi solidamente fundamentado por dois pilares: o linguista suíço Ferdinand de Saussure e o filósofo e lógico americano Charles Sanders Peirce, cujas perspectivas se complementam para nos oferecer uma compreensão rica do universo dos sentidos.

Para Saussure, o signo linguístico é uma entidade bifásica, composta por duas faces inseparáveis, como as duas faces de uma moeda: o Significante e o Significado. O Significante refere-se à forma física do signo – seja a sequência de letras “árvore”, o som /árvore/, ou a imagem visual de uma árvore. O Significado, por sua vez, é o conceito mental, a ideia ou o sentido que essa forma evoca em nossa mente.

A relação entre Significante e Significado, para Saussure, é predominantemente arbitrária e cultural; não há nada intrínseco na palavra “mesa” que a conecte fisicamente ao objeto que designa. É uma convenção social, um acordo tácito que a sociedade estabelece, e é precisamente nessa arbitrariedade cultural que reside tanto o imenso poder quanto o potencial de ambiguidade na comunicação corporativa.

Amplificando essa perspectiva, a renomada pesquisadora brasileira Lucia Santaella, em sua obra seminal O que é Semiótica (Ed. Brasiliense), livro que conheci ainda na faculdade e ainda guardo em minha estante, corrobora e aprofunda:

“Tudo aquilo que, sob alguma condição, representa alguma outra coisa para alguém, pode ser considerado um signo”.

Esta definição abrangente nos convida a expandir nosso olhar para além das palavras. Em um contexto organizacional, um logotipo, o design arquitetônico de um escritório, o código de vestimenta, a disposição dos espaços, e até mesmo o silêncio estratégico – ou não – de uma liderança, são elementos carregados de significados, atuando como signos que comunicam de forma incessante, moldando percepções e influenciando comportamentos.

A Semiótica aplicada à Comunicação Interna

No universo corporativo, cada mensagem emitida – seja ela formal ou informal – é, na verdade, uma composição de signos que os indivíduos na organização estão constantemente a decodificar. A simples escolha lexical, como optar pelo termo “colaboradores” em detrimento de “funcionários”, não é trivial; é um ato semiótico carregado de intenção e impacto.

Enquanto “colaborador” (o significante) evoca um sentido de parceria, engajamento e participação ativa na construção do resultado, “funcionário” pode, por contraste, remeter a uma relação puramente hierárquica e contratual, desprovida de maior envolvimento emocional. A compreensão dessas nuances é vital para a construção de uma cultura organizacional desejada.

Para ilustrar a aplicação estratégica da semiótica na CI, considere alguns pilares:

Linguagem e tom: a linguagem utilizada e o tom empregado são significantes poderosíssimos. Um comunicado sobre uma reestruturação, por exemplo, redigido em tom excessivamente formal, impessoal e repleto de jargões corporativos – como “otimização de sinergias” ou “recalibragem de escopos” – pode, inconscientemente, significar distanciamento, opacidade e gerar profunda ansiedade.

Em contrapartida, uma comunicação transparente, empática e que endereça as incertezas inerentes ao processo, mesmo que veicule notícias desafiadoras, pode ser interpretada como um signo de respeito, confiança e maturidade organizacional, fortalecendo a credibilidade da liderança.

Identidade visual e experiência espacial: o logotipo da empresa, a paleta de cores institucional, a tipografia em documentos e apresentações, a interface da intranet e até mesmo o design e a arquitetura do espaço físico de trabalho não são elementos meramente estéticos.

São significantes visuais e espaciais que devem, de forma coesa, evocar significados alinhados aos valores e à cultura da empresa – seja inovação, solidez, agilidade ou colaboração. Inconsistências visuais ou ambientais entre o discurso e a prática geram um “ruído” semiótico, enfraquecendo a mensagem cultural e a percepção de autenticidade da marca empregadora.

Ações e comportamentos da liderança: a comunicação mais potente em uma organização muitas vezes não reside no que é dito, mas no que é feito – ou deixado de fazer. Um líder que verbaliza uma política de “portas abertas” e promove a acessibilidade, mas consistentemente se mostra indisponível ou inacessível, cria um conflito semiótico gritante.

Suas ações (ou a inação) tornam-se um signo mais eloquente e poderoso do que suas palavras, comunicando inequivocamente que a política é apenas uma formalidade, minando a confiança e a legitimidade do discurso oficial.

Neste contexto desafiador, a semiótica (re)surge como uma ferramenta indispensável – uma verdadeira estratégia de sobrevivência e prosperidade para a comunicação interna.

A Era Digital nos trouxe um grande paradoxo: enquanto a produção de informação atinge volumes sem precedentes, a capacidade humana de processamento e retenção parece diminuir inversamente proporcionalmente.

A avalanche de dados e a velocidade da comunicação digital tornam as mensagens rápidas, efêmeras e, muitas vezes, apenas escaneadas, não profundamente lidas. Neste cenário de hiperinformação, a disputa pela atenção do colaborador é feroz, e a retenção de talentos se torna um desafio intrinsecamente ligado à qualidade da comunicação.

Em um ambiente onde o tempo é escasso e a sobrecarga informacional é a norma, as mensagens precisam ser concebidas com signos de alto poder de impacto e decodificação quase instantânea. O uso estratégico de ícones intuitivos, infográficos que sintetizam dados complexos, uma hierarquia visual clara e o emprego criterioso de cores em comunicados não se configuram como meros adornos estéticos.

São escolhas semióticas deliberadas que asseguram que o significado essencial seja capturado de forma eficaz nos primeiros segundos de contato, garantindo a absorção da informação crítica antes que a atenção se disperse.

Coerência e semiótica multicanal – A integridade da mensagem corporativa é posta à prova na multiplicidade de canais. É imperativo que a essência e o significado central de uma comunicação permaneçam consistentes, independentemente do meio.

Se a empresa proclama em seus valores (o significado aspirado) a promoção do “bem-estar” e do “equilíbrio entre vida pessoal e profissional”, mas seus gestores enviam mensagens e demandas urgentes fora do horário de expediente regular (um significante contraditório), a cultura de bem-estar não se solidifica, e a mensagem oficial é percebida como vazia ou hipócrita. A semiótica nos convida a harmonizar o discurso com a prática em todos os pontos de contato.

Diálogo Intergeracional e Repertoires Semióticos – O ambiente de trabalho contemporâneo condensa várias gerações – Baby Boomers, Geração X, Millennials e Geração Z – cada qual portadora de um repertório semiótico cultural e digital distinto. Um simples emoji de “joinha” , 👍, por exemplo, pode ser interpretado como um cordial “ok” para um Millennial, mas pode ressoar como uma expressão de passividade-agressiva ou mesmo descaso para um membro da Geração Z, que frequentemente busca maior expressividade e autenticidade.

Como enfatiza um artigo da Harvard Business Review sobre o tema, “compreender essas diferentes ‘linguagens’ digitais é crucial para evitar mal-entendidos e promover a inclusão“. A comunicação corporativa moderna não só precisa estar ciente dessas divergências de interpretação, mas atuar proativamente na criação de um “código” comum ou, no mínimo, na mediação e contextualização desses signos para assegurar que a diversidade geracional seja uma força, e não uma fonte de ruído semiótico.

Construindo sentido para uma comunicação estratégica

Subestimar ou ignorar o papel da semiótica na comunicação corporativa equivale a relegar a vital construção de sentido ao mero acaso. As organizações, em sua complexidade dinâmica, não comunicam apenas através de seus discursos formais ou políticas escritas; elas comunicam incessantemente por tudo o que fazem – e, por tudo o que deixam de fazer.

Cada gesto, cada escolha de design, cada ritual, cada ambiente e cada interrupção de um padrão torna-se um signo potente, aguardando para ser interpretado e, por vezes, mal-interpretado.

Como sabiamente articulou a estrategista de comunicação Priit Kallas em um artigo no LinkedIn: “Clarity isn’t just about simple words; it’s about aligning every signal you send out to create a single, coherent meaning.” (A clareza não se resume a palavras simples; trata-se de alinhar cada sinal que você emite para criar um significado único e coerente). Esta afirmação ressoa profundamente com os princípios semióticos, sublinhando a necessidade de uma orquestração deliberada de todos os significantes.

O convite que se estende a líderes, gestores e profissionais de comunicação é, portanto, o de transcender o papel de meros emissores de informação para se tornarem semioticistas práticos. Isso implica desenvolver uma acuidade interpretativa aguçada, analisando criticamente cada mensagem, cada ritual organizacional, cada símbolo e cada comportamento inerente à cultura, e questionando incessantemente:

O que este signo ou esta ação realmente significa – ou pode significar – para quem o recebe e o decodifica, considerando seus próprios repertórios e contextos? A mensagem que intencionamos transmitir é efetivamente a que está sendo decodificada pela audiência, ou há ruídos e interpretações desviadas no processo de semiose?

Em um cenário corporativo que objetiva a criação de um profundo senso de engajamento, pertencimento e alinhamento estratégico, dominar a arte e a ciência de construir significados de forma consciente e deliberada não é um diferencial acessório.

É, de fato, o alicerce fundamental sobre o qual se edifica uma cultura organizacional robusta, resiliente e, acima de tudo, uma comunicação que verdadeiramente conecta pessoas e impulsiona resultados. A semiótica oferece as lentes e as ferramentas para transformar a complexidade em clareza, o ruído em propósito.

Fontes e referências para aprofundamento:

  • SANTAELLA, Lucia. O que é Semiótica. Editora Brasiliense, Coleção Primeiros Passos.
  • SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de Linguística Geral. Editora Cultrix.
  • Artigo: “How to Manage a Multigenerational Team”, Harvard Business Review (referência geral a artigos da HBR sobre o tema).
  • Artigo: “The Importance of Semiotics in Branding and Marketing”, LinkedIn por Priit Kallas e outros especialistas em branding (referência geral).

Espero que tenha gostado deste artigo!

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Escrito por Cleide Cavalcante

Gerente de Comunicação e TV Corporativa, há 16 anos mudou o rumo da carreira para trabalhar com o que mais gosta: tecnologia, inovação e comunicação interna. Ao longo deste tempo, foram mais de 350 canais digitais implantados - TV Corporativa e apps - com sucesso. E, entre um job e outro, a vida flui intensamente em meio a livros, à natureza e aos pets de estimação.
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